– Eu sei, consciência. Eu sei.
– Não sabe, se soubesse não estava desse jeito.
– Sei sim. Não precisa ficar martelando desse jeito, eu já entendi.
– Não. Você não entendeu. Você continua fazendo tudo errado. Depois de tudo que nós já passamos juntos, achei que você tinha pelo menos me escutado, mas não. Olha pra você! Quantas noites você já passou em claro?
– Não sei. Tá? Me erra, porra.
– Ah, eu erro? Você não. O todo poderoso que tá sempre certo… Dezesseis.
– Dezesseis o que? Tá louca?
– Dezesseis noites em claro. Eu contei. Estava lá em todas elas, esqueceu?
– Você é doente. Me deixa em paz!!
– Ah, eu sou a doente? Eu quem preciso lhe deixar em paz? Você acabou de beber uma garrafa inteira de vinho, mordeu seus dedos de raiva, não consegue pregar os olhos e eu quem sou a doente? Eu queria mesmo poder lhe deixar em paz, mas você se faz de surdo pra mim. Paz, pfff… me faz rir.
– Qual o problema com querer ficar em paz? É só o que eu quero. Ficar sozinho! Me encontrar e voltar a ser o que eu era e não esse modelo de “coisa” que eu me tornei. Isso não sou eu. Minhas vontades? Meus desejos? Cadê? Me fala! Por que eu não posso mais ser eu mesmo? O que aconteceu comigo que deixei de lado meus sorrisos pra me tornar “essa coisa perfeita”? Quando isso aconteceu?
– Ah, bobinho. Foi tudo tão rápido, né?
– …é.
– Relaxa. Eu também não senti. Você fez questão de me trancar de novo. Sabe que dessa vez você me trancou tão fundo que pensei que estava errada…? Olha, das outras vezes eu tinha certeza que não, que eu estava certa e que era só uma questão de tempo pra você enxergar, mas dessa? Uau!
– …tenho vontade de lhe estrangular. Minha cabeça dói por sua culpa. Meus olhos ardem com as lágrimas que você trouxe lá de dentro!
– Bem feito. É pra isso que elas servem. Pra você nunca, nunca me esquecer. Aprende de uma vez, eu estou sempre certa. E essa “coisa perfeitinha” que você se tornou, sem desejos e sem vontades, é o seu castigo.
– Castigo?
– É, castigo, sim. Pra você remoer bastante e ver o quanto dos seus sorrisos você abriu mão de novo. Agora chora, seu idiota. Pode chorar. Isso.
– …eu te odeio.
– Não! Você SE ODEIA. Se você SE amasse, seu imbecil, você teria me ouvido ao primeiro sinal e não teria me trancado dentro de você, de novo! A culpa é só sua!! Você colhe o que planta. Você plantou a falsa perfeição às custas de sorrisos, agora está colhendo a amargura de ter deixado de ser você mesmo!
– Não foi culpa minha! Eu nunca quis ser perfeito!
– Você quis ser sorrisos, mas esqueceu que, pra isso, precisava sorrir…
– Eu fui feliz… Eu sei que fui!
– A felicidade não é um momento, seu tolo. A felicidade é um estado de espírito e ela só acontece quando todo o resto está em equilíbrio… E você abriu mão do equilíbrio quando passou a trocar lágrimas por sorrisos. E ainda achou que estava somando! Você abriu mão do seu “inteiro”, se desmontou e trancou pedaços junto comigo, lá no fundo, para se deixar completar com as peças que nunca foram suas… Olha aí o resultado. Um quebra cabeças cheio de peças faltando e várias que não se encaixam.
– E agora…? Me diz… O que é que eu faço?
– Faça valer aquilo que você nunca deveria ter deixado de dar valor: Seja feliz por inteiro.
– …e as minhas peças, você guardou?
– Joguei fora.
– …mas, porquê?
.in.consciência.
– Pra você se reconstruir e aprender, de uma vez por todas, que quando estiver completo, não abra mão de quem mais lhe ama.
Você mesmo.
Publicado em.vida.cotidiana.
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